Se os grandes poetas, escritores, roteiristas , também esgotam suas fontes de inspiração, o que dizer de um mero Neandertal como eu ? O homem de Neandertal tem sido descrito no imaginário popular de forma negativa, sendo apresentado como um ser simiesco, grosseiro e pouco inteligente, pode até ser, mesmo assim, muitos preferem continuarem sendo Neandertais a evoluirem, explico.
As vezes sinto-me como os adjetivos e o cérebro volumoso como o do próprio Neandertal, apenas rumina lembranças, neste instante, como um calango esperando chover, também imploro que algumas gotas refresquem minha cabeça e floresçam historias, mesmo sendo estas, historias que não valha a pena contar, comuns como tantas por aí, sem importância, meramente insignificante.
Quando pequeno, lembro dele chegando da “Base Aérea”, era assim que um filho de militar da Aeronáutica, referia-se ao trabalho do seu Pai, lá no final da rua avistava-o, surgindo com sua farda azul marinho, cor de anil, ficava vidrado com aquela roupa, muitas vezes colocava aquele quepe bicudo e ficava fantasiando em frente ao espelho, era como se eu me transformasse num super herói.
Minhas melhores lembranças quando criança, foi quando morei na cidade de Anápolis/GO, centro-oeste brasileiro, adorava quando podia ir junto em seu trabalho, revirar sua sala de cabeça pra baixo e começar a rabiscar desenhos em folhas sulfites sobre sua mesa, curioso vasculhava os corredores, abrindo as portas como se fossem passagens para outra dimensão, seus amigos do quartel, lembravam a série de televisão satírica “Guerra Sombra e Água Fresca” com todas as sacanagems possíveis, sarcasticas, um autêntico Stand-Up que ainda nem existia.
Percorrer o quartel era uma brincadeira instigante e de muitas emoções que marcaram minha infância, adorava apreciar os caças aterrisando e quando você pensava que a pista seria insuficiente e era ! Um paraquedas era acionado para ajudar na frenagem. Ser filho de militar é viver experiências surreais que poucos podem, como o inesquecível dia em que meu Pai levou-me ao hangar dos aviões, para conhecer o caça Mirage III de fabricação francesa, da unidade aérea chamado de "ALADA" , destinados primordialmente à defesa da capital do país, pois a cidade de Anápolis situa-se a 160 km de Brasília.
Com esforço fui subindo a escadinha até alcançar o Cokpit e com ajuda do piloto consegui entrar, não acreditava ! Era aos meus olhos um brinquedo gigantesco com mísseis, então o piloto ficou explicando aquele painel de relógios, manche, a vontade que eu tinha era de apertar todos aqueles botões pra ver o quê acontecia, como em um vídeo game onde o controle é todo seu, dali não queria sair nunca mais. Hoje cada vez que tenho a oportunidade de observar um caça cruzando os ares, fico maravilhado como a mesma criança à época, desta vez aqui debaixo, acompanhando-o, até desaparecer em algum ponto do infinito.
Nos finais de semana e nas férias, visitava alguns amigos meus privilegiados que moravam na vila militar, meu pai tentou por muitas vezes uma casa lá, mais era uma disputa acirrada, muita estrela, pra pouca constelação, a vila militar era um clube particular, com piscina, salão de festas, sarais e outros atrativos, uma guarita com um soldado brincalhão, sempre com as antenas ligadas e aquelas casinhas padronizadas, todo mundo conhecia todo mundo, todos eram unidos, mais tinha o problema das transferências para outros estados, o quê acontecia inevitavelmente na vida militar e a nossa vez também um dia chegaria, as amizades deixavam de existir e aquelas pessoas que viveram um tempo com você, simplesmente partiam ! Não dava para se apegar a lugares e pessoas, tal como o emblema "Senta a Pua", os laços e amizades faziam e se desfaziam na mesma velocidade que a ave símbolo, Avestruz.
Ao mesmo tempo, era um acontecimento quando uma nova família chegava, ficavamos alvoroçados, diante da possibilidade de existir um novo integrante, pra se juntar a tropa do barulho e atacar o sentinela de plantão.
Passados anos, Pai e Filho envelheceram e com a vanguarda, anos 80, diferenças de pensamentos são inevitáveis, meu pai, assim como o Mirage III, que defendeu os céus por 33 anos, também passou apenas por algumas modernizações de meia vida e pra que ser um teco-teco, se poderia ser um caça mais moderno ? Rompendo a barreira do som ! Então empunhando meu próprio manche, decidi pilotar a vida da maneira que desejava, não exitando em voar alto, com rasantes de rebeldia.
Muitas questões, contudo, permanecem sem resposta e se hoje sou, digamos, um Homo Sapiens, com cérebro altamente desenvolvido, mais adaptado, será que é o meu Pai que se transformou num Neandertal ? Cansei-me de perguntar-me o porque do porque, creio que somos espécies em extinção, assumidamente diferentes e qualquer aproximação é uma mera hibridização.
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